Carnaval é festa, alegria, resistência e força

Vamos celebrar a data, curtir o momento e lembrar que o povo fez, faz e vive o carnaval.

Um jogo bárbaro, pernicioso e imoral. Foi assim que Martins Pena¹ descreveu o comportamento das pessoas nas brincadeiras durante o Entrudo. Neste “jogo” que ocorria nos dias que antecediam a quaresma, as pessoas no Brasil colonial ocupavam as ruas com brincadeiras jogando coisas umas nas outras (água, farinha, café, tinta).

Estas brincadeiras ocorridas nos séculos XVI e XVII (herdadas de Portugal) foram a origem do carnaval no Brasil e Pena com estas palavras retratava o pensamento conservador elitista da época de criticar o comportamento popular. Em 1808, por exemplo, o vice-rei chegou a publicar um edital proibindo o entrudo. Registre-se que as mulheres não tinham permissão de ir para as ruas “brincar”, porém conseguiam participar jogando água de dentro das casas nas pessoas que participavam na rua.

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) retratou a prática do entrudo durante sua estadia no Brasil através da gravura acima

Jean Debret pintor francês que viveu no Brasil de 1816 a 1831, pintou esta gravura retratando manifestações do Entrudo.

Não demorou para as elites terem vontade de participar da festa levando este movimento para os bailes de máscaras em clubes fechados, prática que estava no auge na Europa aristocrática do século XVIII. Aos poucos também foram popularizadas estas festividades atingindo as ruas e estabelecendo a prática efetiva de usar máscara neste período no Brasil. Habemus Carnavalis.

¹ Martins Pena foi um escritor brasileiro que viveu no período imperial (1815-1848). Notabilizou-se por escrever comédias com bastante sarcasmo e ironia. Além de dramaturgo, foi diplomata

Pintura de Dança de negros na rua em 1822

No compasso da história o movimento natural foram as festas de clubes irem também para as ruas para “desfilar” (olha só!) a força das festas do povo foram uma atração para que as sociedades formadas nos bailes virassem blocos de pessoas mascaradas festejando, dançando e curtindo pela cidade do Rio de Janeiro. Esta mistura potencializou a influência da cultura africana puxada pelo ritmo, instrumentos musicais e a pluraridade da dança da rua. Enfim na década de 30 o samba, os blocos e as escolas ganharam força pulsando até o que vemos hoje como a maior festa popular do mundo.

Além do Rio de Janeiro

O carnaval é um evento nacional e também tem sua história contada a partir de outras praças. Em todo o Brasil tivemos movimentos parecidos com o que ocorreu no Rio de Janeiro, vamos aqui destacar Bahia e Pernambuco que são potências da festa de momo trazendo as suas particularidades e marcas da cultura nordestina; uma forte representação do nosso país.

Na Bahia houve forte influência dos Jesuítas, que trouxeram a ideia para a população de aproveitar o período antes da quaresma para curtir os prazeres da vida carnal e profana, antes da tradicional católica reclusão de 40 dias. Era uma espécie de convite à celebração da rua, das festas e alegrias com a benção de Deus e da Igreja (amém). Além dos portugueses, a marcante participação da Holanda na ocupação de Salvador ajudou na construção do calendário das festas populares da Bahia – que inclusive vai muito além do carnaval, mas este é assunto para outro artigo. No final do século XVIII tem-se um dos marcos mais importantes dessa história: no ano de 1895 há o registro de desfile do primeiro bloco afoxé. Afoxé é o nome dado ao candomblé de rua (também é um instrumento musical utilizado nas práticas musicais de umbanda e candomblé) fortemente inspirado na cultura africana leva os sons dos atabaques, cânticos em nagô, ioruba e danças para a avenida até hoje. A partir daí, a festa cresceu, ultrapassou as barreiras da música “local” e hoje é uma das maiores referências de eventos de rua do mundo com participação de artistas dos mais variados ritmos e inclusive de outras nacionalidades.

Carro em desfile no centro antigo de Salvador século XVIX

Em Pernambuco não foi diferente: O carnaval nasceu do povo! Sua origem é datada do século XVII onde as pessoas (na sua maioria negras escravizadas ou não) faziam blocos de rua para curtir a festa religiosa de Reis. Um pouco depois, já no século XVIII, surgiu o fenômeno cultural e musical do maracatu, mistura de música e dança com forte presença dos batuques africanos e indígenas. Segue expandindo-se de forma potencial, com o impulso da tradição Pernambucana de fortalecimento da sua raiz, mantendo o povo conectado com sua cultura ao mesmo tempo sendo um dos centros mais buscados pelos turistas ao redor do mundo, que procuram diversão conectada com vivência cultural e artística no carnaval.

Vale destacar o Frevo e o Axé Music que são movimentos musicais mais frutos de toda essa miscigenação e influência cultural, sempre enraizados nas expressões populares da rua e – notadamente – das pessoas negras. Estes movimentos também contribuíram para tornar a folia momesca uma potência financeira, comercial e midiática com cifras milionárias e alcance ilimitado de engajamento nas redes sociais.

É só festa?

Carnaval também é momento de reflexão, discussão e política. As pessoas historicamente aproveitam este momento de apelo, visibilidade e atenção para direcionar os holofotes aos temas sensíveis à sociedade. Os turistas não estão interessados apenas em curtir a festa, há também a vontade de abraçar a cultura, viver o povo e uma atitude bem típica do brasileiro é mostrar ao mundo a alegria, a felicidade junto com as nossas dores, durezas e desigualdades. Na história foram (e são) muitas as manifestações políticas/sociais durante a festa, desde momentos marcantes e pontuais sobre acontecimentos do momento, situações espontâneas individuais e coletivas, bem como as atividades já presentes e fixas dos movimentos sociais, sindicais já conhecidas e esperadas pela população.

“De todos os santos

Encantos e axé

Sagrado e profano

O baiano é carnaval”

Versos da música Chame Gente

Estes versos da música Chame Gente (um dos hinos do carnaval da Bahia) traduzem a ideia de haver espaço também para manifestações religiosas, que vão além da influência católica e das religiões de matrizes africanas e indígenas. Também é um momento onde são percebidas práticas de pessoas do movimento do Cristianismo Evangélico tanto indo para as ruas levar as suas mensagens e manifestações, como eventos grandiosos que aproveitam o feriado para cultuar e expressar a sua fé de maneira coletiva. É o espaço e momento para as pessoas professarem as suas vibrações e sentimentos livre, sem distinção e restrição.

Viva!

É carnaval! E é a hora de curtir, descansar, pular, beijar, rezar, orar, reunir, reclamar, protestar. Carnaval é a essência do Brasil: miscigenado, politizado, festeiro, desigual, alegre e sofrido. É um convite à celebração sem esquecer que a nossa origem é da rua, do povo mais humilde, mais simples e que criou esta festa tão grandiosa e importante para todos. Carnaval é feliz e triste. Feliz por tudo que representa e triste mesmo só quando acaba, porque todo carnaval tem seu fim.

Falando nisso, dizem que só depois da quarta-feira de cinzas que o ano começa, então, vamos viver a festa e depois começar a contagem regressiva para o carnaval do ano que vem e, enfim, podemos falar: Feliz ano novo!

Fonte:

História do Carnaval da Bahia – 130 Anos do Carnaval de Salvador. Nelson Varón Cadena

Carnaval do Recife. Leonardo Dantas Silva

Portal Brasil Escola: brasilescola.uol.com.br

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