Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé

Hoje vamos falar um pouco da importância do dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.

As religiões de matriz africana chegaram ao brasil junto com os povos escravizados retirados da África para suprirem a mão de obra no Brasil trazidos pelos colonizadores portugueses.

Sodré (2017) um dos principais historiadores do século XX, afirma em seu livro Pensar Nagô que o Brasil foi comprovadamente o maior comprador de escravizados das Américas e segundo Maurício (2014, p. 32), em seu livro O candomblé bem explicado, do século XVI até o século XIX, africanos de diversos grupos étnicos e culturais, muitas vezes rivais, foram capturados e trazidos para o Brasil como escravizados. Entre os grupos que vieram para o Brasil estavam os bantos, os fons, os iorubás e os minas. Durante os 300 anos que duraram a escravidão não foi possível mensurar o número exato de africanos que foram trazidos para a América. De acordo com Caputo (2012, p. 40):

Quinze milhões de pessoas, de diferentes regiões da África, que traziam suas relações com a vida, a morte, as pessoas, a natureza, a palavra, a família, o sexo, a ancestralidade, Deus, deuses, as energias, a arte, a comida, o tempo e a educação. Enfim, com as suas formas de ver, pensar, sentir, falar e agir no mundo. Espalhadas assim formaram o que se chama de diáspora africana, ou seja, os negros que, nesse caso, sequestrados das suas terras, levaram consigo as suas tradições, mantendo-as e recriando-as no mundo, inclusive no Brasil.

 

E através da fé os africanos encontraram força para resistir a crueldade do sistema escravagista e dos propósitos impostos pela dominação colonial¹. Para Eugênio (2017, p. 44), as populações submetidas à escravidão e ao genocídio elaboraram mecanismos de sobrevivência. E entre todos os mecanismos de sobrevivência, a religião passada através da oralidade foi crucial para manter vivas as tradições de origem africana. O culto aos orixás chegou ao Brasil juntamente com os africanos que atravessaram o Atlântico e foram escravizados aqui na América portuguesa. Do encontro cultural entre os elementos das três matrizes formadoras da sociedade brasileira – índio, africano e europeu -, surgiram às chamadas religiões afro-brasileiras, entre as quais podemos citar: candomblé, candomblé de caboclo, umbanda, quimbanda, tambor de mina, jurema, omolocô, umbandomblé, entre outras. Segundo Berkenbrock (2012, p. 62) do ponto de vista histórico, a África é o campo de origem e o Brasil o campo de desenvolvimento das religiões afro-brasileiras. Já Eugênio (2017, p. 172) ressalta que a terra mãe foi recriada em cada terreiro. No modo de vida, nos costumes, na memória e na cultura a África revive. As religiões africanas formam a base teológica a partir do qual se desenvolveram as religiões afro-brasileiras.

[1] A diáspora africana está encruzada ao projeto colonial, que é um acontecimento marcado pela tragédia das humilhações, sequestros, assassinatos, estupros, torturas, comércio de seres humanos, entre outras inúmeras formas de violências praticadas nos trânsitos que edificaram o Novo Mundo. Essa invenção é parte integrante do colonialismo, não há possibilidade de separação, é resultado de um cruzo que faz espiral do tempo girar em um rito de morte e vida (RUFINO, 2019, p. 97).

E após todos esses anos, apesar do Brasil ser constitucionalmente um Estado laico que prega a liberdade religiosa, conforme a constituição de 1988, os casos de intolerância religiosa vêm tomando uma proporção alarmante, conforme dados estatísticos a maioria dos ataques são cometidos por adeptos de religiões neopentecostais conforme aponta o disque denúncia, que no ano 2022 registou três queixas de intolerância religiosa por dia, chegando num total de 545 denúncias no país. Ainda sob a égide do preconceito, apenas 0,3% da população brasileira se declarar integrante de religião de matriz africana, segundo o último censo de 2010 [2]Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devido ao medo de sofrer ataques ou sofrer retaliações.

O projeto de lei do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé surgiu em 2015, com o intuito de pôr fim a hostilidade sofrida pelos adeptos das religiões de matriz africana principalmente o candomblé, que inicialmente foi proibida por muitos governos e considerada como ato criminoso, onde seus praticantes sofreram até prisões efetuadas pela polícia. 

No dia 05 de janeiro de 2023, foi sancionada a Lei 14.519/23, que institui o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado anualmente no dia 21 de março, data internacionalmente conhecida como o Dia contra Discriminação Racial, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966. 

No Brasil, intolerância religiosa é crime previsto em lei, de acordo com o Código Penal brasileiro, Decreto-Lei número 2.848, em seu artigo 208 do Código Penal traz na lei estrita: Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de culto religioso; injuriar ou difamar publicamente religião, entidade religiosa, ato ou objeto de culto religioso. Pena: Detenção de dois a quatro anos e multa.

A intolerância religiosa é considerada uma forma de violência de caráter físico ou simbólico, é um ato de discriminação, ofensa e agressão às pessoas por causa de sua crença e prática religiosa. Especificamente no Brasil essa intolerância está diretamente relacionada com o racismo religioso, sendo uma violência praticada em maior grau contra os praticantes das religiões de matrizes africanas. Temos o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa instituído por meio da Lei 11.635, de 2007, durante a segunda gestão do atual governo, comemorado em 21 de janeiro em memória de Gildásia dos Santos  Iyalorixá baiana, que teve sua casa e terreiro invadidos por um grupo fundamentalista, e agora temos o dia 21 de março para dar voz, visibilidade e respeito, para combater o racismo religioso de forma séria e concreta.  Precisamos levar para o diálogo sempre, pois mesmo com uma lei promulgada em 2007, os casos de intolerância só aumentam neste país tanto que se fez necessário a promulgação do dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. E se após este grande marco os números de denúncias não caírem drasticamente, será necessário rever a rota e implantar sansões penais mais severas.

Estamos num país livre onde podemos escolher o que vamos seguir e a religião que vamos cultuar.

Referências Bibliográficas

BERKENBROCK, Volney. A experiência dos orixás: Um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.

CARNEIRO, Abimael Gonçalves. Intolerância religiosa contra as religiões afrobrasileiras: uma violência histórica. In: IX Jornada Internacional de Política Pública, São Luís, 2019, p. 1-12. Disponível em: https://docplayer.com.br/171578143- Intolerancia-religiosa-contra-as-religoes-afro-brasileiras-uma-violencia-historica.html. Acesso em: 17 fev. 2023.

CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

EUGÊNIO, Rodney William. A benção aos mais velhos: poder e senioridade nos terreiros de Candomblé. Mairiporã: Arole Cultural, 2017.

GIUMBELLI, Emerson. Um projeto de cristianismo hegemônico. (Org). SILVA, Vagner Gonçalves. In: Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p. 149-170.

MARIANO, Ricardo. Pentecostais em ação: a demonização dos cultos afrobrasileiros. (Org). SILVA, Vagner Gonçalves, In: Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p. 119-147.

MAURÍCIO, George. O candomblé bem explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.

NOGUEIRA, Sidney. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen, 2020.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula editorial, 2019.

RUFINO, Luiz; MIRANDA, Marina Santos de. Racismo Religioso: Política, Terrorismo e Trauma Colonial. Outras Leituras sobre o problema. Problemata, v. 10, n. 2, 2019, p. 229-242.

[1] Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 18, n. 1, p. 30-46, jan-jun / 2021.

[2] https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/23/22107

Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé

Hoje vamos falar um pouco da importância do dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.

As religiões de matriz africana chegaram ao brasil junto com os povos escravizados retirados da África para suprirem a mão de obra no Brasil trazidos pelos colonizadores portugueses.

Sodré (2017) um dos principais historiadores do século XX, afirma em seu livro Pensar Nagô que o Brasil foi comprovadamente o maior comprador de escravizados das Américas e segundo Maurício (2014, p. 32), em seu livro O candomblé bem explicado, do século XVI até o século XIX, africanos de diversos grupos étnicos e culturais, muitas vezes rivais, foram capturados e trazidos para o Brasil como escravizados. Entre os grupos que vieram para o Brasil estavam os bantos, os fons, os iorubás e os minas. Durante os 300 anos que duraram a escravidão não foi possível mensurar o número exato de africanos que foram trazidos para a América. De acordo com Caputo (2012, p. 40):

Quinze milhões de pessoas, de diferentes regiões da África, que traziam suas relações com a vida, a morte, as pessoas, a natureza, a palavra, a família, o sexo, a ancestralidade, Deus, deuses, as energias, a arte, a comida, o tempo e a educação. Enfim, com as suas formas de ver, pensar, sentir, falar e agir no mundo. Espalhadas assim formaram o que se chama de diáspora africana, ou seja, os negros que, nesse caso, sequestrados das suas terras, levaram consigo as suas tradições, mantendo-as e recriando-as no mundo, inclusive no Brasil.

E através da fé os africanos encontraram força para resistir a crueldade do sistema escravagista e dos propósitos impostos pela dominação colonial¹. Para Eugênio (2017, p. 44), as populações submetidas à escravidão e ao genocídio elaboraram mecanismos de sobrevivência. E entre todos os mecanismos de sobrevivência, a religião passada através da oralidade foi crucial para manter vivas as tradições de origem africana. O culto aos orixás chegou ao Brasil juntamente com os africanos que atravessaram o Atlântico e foram escravizados aqui na América portuguesa. Do encontro cultural entre os elementos das três matrizes formadoras da sociedade brasileira – índio, africano e europeu -, surgiram às chamadas religiões afro-brasileiras, entre as quais podemos citar: candomblé, candomblé de caboclo, umbanda, quimbanda, tambor de mina, jurema, omolocô, umbandomblé, entre outras. Segundo Berkenbrock (2012, p. 62) do ponto de vista histórico, a África é o campo de origem e o Brasil o campo de desenvolvimento das religiões afro-brasileiras. Já Eugênio (2017, p. 172) ressalta que a terra mãe foi recriada em cada terreiro. No modo de vida, nos costumes, na memória e na cultura a África revive. As religiões africanas formam a base teológica a partir do qual se desenvolveram as religiões afro-brasileiras.

[1] A diáspora africana está encruzada ao projeto colonial, que é um acontecimento marcado pela tragédia das humilhações, sequestros, assassinatos, estupros, torturas, comércio de seres humanos, entre outras inúmeras formas de violências praticadas nos trânsitos que edificaram o Novo Mundo. Essa invenção é parte integrante do colonialismo, não há possibilidade de separação, é resultado de um cruzo que faz espiral do tempo girar em um rito de morte e vida (RUFINO, 2019, p. 97).

E após todos esses anos, apesar do Brasil ser constitucionalmente um Estado laico que prega a liberdade religiosa, conforme a constituição de 1988, os casos de intolerância religiosa vêm tomando uma proporção alarmante, conforme dados estatísticos a maioria dos ataques são cometidos por adeptos de religiões neopentecostais conforme aponta o disque denúncia, que no ano 2022 registou três queixas de intolerância religiosa por dia, chegando num total de 545 denúncias no país. Ainda sob a égide do preconceito, apenas 0,3% da população brasileira se declarar integrante de religião de matriz africana, segundo o último censo de 2010 [2]Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devido ao medo de sofrer ataques ou sofrer retaliações.

O projeto de lei do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé surgiu em 2015, com o intuito de pôr fim a hostilidade sofrida pelos adeptos das religiões de matriz africana principalmente o candomblé, que inicialmente foi proibida por muitos governos e considerada como ato criminoso, onde seus praticantes sofreram até prisões efetuadas pela polícia. 

No dia 05 de janeiro de 2023, foi sancionada a Lei 14.519/23, que institui o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado anualmente no dia 21 de março, data internacionalmente conhecida como o Dia contra Discriminação Racial, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966. 

No Brasil, intolerância religiosa é crime previsto em lei, de acordo com o Código Penal brasileiro, Decreto-Lei número 2.848, em seu artigo 208 do Código Penal traz na lei estrita: Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de culto religioso; injuriar ou difamar publicamente religião, entidade religiosa, ato ou objeto de culto religioso. Pena: Detenção de dois a quatro anos e multa.

A intolerância religiosa é considerada uma forma de violência de caráter físico ou simbólico, é um ato de discriminação, ofensa e agressão às pessoas por causa de sua crença e prática religiosa. Especificamente no Brasil essa intolerância está diretamente relacionada com o racismo religioso, sendo uma violência praticada em maior grau contra os praticantes das religiões de matrizes africanas. Temos o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa instituído por meio da Lei 11.635, de 2007, durante a segunda gestão do atual governo, comemorado em 21 de janeiro em memória de Gildásia dos Santos  Iyalorixá baiana, que teve sua casa e terreiro invadidos por um grupo fundamentalista, e agora temos o dia 21 de março para dar voz, visibilidade e respeito, para combater o racismo religioso de forma séria e concreta.  Precisamos levar para o diálogo sempre, pois mesmo com uma lei promulgada em 2007, os casos de intolerância só aumentam neste país tanto que se fez necessário a promulgação do dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. E se após este grande marco os números de denúncias não caírem drasticamente, será necessário rever a rota e implantar sansões penais mais severas.

Estamos num país livre onde podemos escolher o que vamos seguir e a religião que vamos cultuar.

Referências Bibliográficas

BERKENBROCK, Volney. A experiência dos orixás: Um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.

CARNEIRO, Abimael Gonçalves. Intolerância religiosa contra as religiões afrobrasileiras: uma violência histórica. In: IX Jornada Internacional de Política Pública, São Luís, 2019, p. 1-12. Disponível em: https://docplayer.com.br/171578143- Intolerancia-religiosa-contra-as-religoes-afro-brasileiras-uma-violencia-historica.html. Acesso em: 17 fev. 2023.

CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

EUGÊNIO, Rodney William. A benção aos mais velhos: poder e senioridade nos terreiros de Candomblé. Mairiporã: Arole Cultural, 2017.

GIUMBELLI, Emerson. Um projeto de cristianismo hegemônico. (Org). SILVA, Vagner Gonçalves. In: Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p. 149-170.

MARIANO, Ricardo. Pentecostais em ação: a demonização dos cultos afrobrasileiros. (Org). SILVA, Vagner Gonçalves, In: Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2007, p. 119-147.

MAURÍCIO, George. O candomblé bem explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.

NOGUEIRA, Sidney. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen, 2020.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula editorial, 2019.

RUFINO, Luiz; MIRANDA, Marina Santos de. Racismo Religioso: Política, Terrorismo e Trauma Colonial. Outras Leituras sobre o problema. Problemata, v. 10, n. 2, 2019, p. 229-242.

[1] Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 18, n. 1, p. 30-46, jan-jun / 2021.

[2] https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/23/22107

 

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